Assim como ocorre atualmente com
os demais órgãos federais e governamentais, os municípios estão empenhados em
aumentar suas receitas via arrecadação de impostos, especialmente por meio do
ISS. Conforme dados disponibilizados pela Receita Federal, em sua análise anual
da carga tributária nacional, a arrecadação dos municípios teve aumento
contínuo de 1 ponto percentual desde 2005. Logo, quando um grande município
institui novos entendimentos ou obrigações tendentes a incrementar a
arrecadação, tais estratégias são adotadas pelos demais.
É o que ocorreu, por exemplo, com
a obrigatoriedade de cadastro das empresas domiciliadas em um município e que
prestam serviço para tomador domiciliado em outro, nomeado de Cadastro de
Prestadores de Serviço Domiciliados em Outros Munícipios (CPOM) em São Paulo,
Rio de Janeiro, Brasília, Porto Alegre, Curitiba e Belo Horizonte.
É imprescindível considerar
qualquer movimento municipal que, sob a justificativa de aumentar a qualquer
custo a arrecadação, afaste direitos fundamentais dos contribuintes garantidos
pela legislação. A medida mais recente nesse sentido foi o Parecer Normativo nº
02/2016, publicado em 26/04/2016 pela Prefeitura Municipal de São Paulo, o qual
tratou de questões atinentes à incidência do imposto em determinadas
exportações de serviços.
A controvérsia sobre o conceito
de "resultado" para fins de configuração da exportação de serviços
não é nova e, desde 2003, muito se discute acerca do alcance do artigo 2º da
Lei Complementar nº 116, que prevê não incidir ISS sobre as exportações de
serviços para o exterior, exceto se o resultado do serviço for verificado no
Brasil.
Na tentativa de solucionar essa
celeuma, o parecer houve por bem igualar o conceito de "resultado" ao
"local de realização do serviço", afirmando ser "irrelevante que
eventuais benefícios ou decorrências oriundas dessa atividade sejam fruídos ou
verificados no exterior ou por residente no exterior".
Ocorre que a própria Lei
Complementar nº 116/2003 diferencia o local onde os serviços são "desenvolvidos"
do local onde se verifica o respectivo "resultado", ao afirmar que:
"não se enquadram no disposto no inciso I os serviços desenvolvidos no
Brasil cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por
residente no exterior". A definição de "resultado", de acordo
com o Dicionário Michaelis, é: "1 Ação ou efeito de resultar. 2 O que
resultou ou resulta de alguma coisa? consequência, efeito, produto? fim, termo.
(...)". Por sua vez, "serviço (...) é, tão-¬somente, o resultado da
prestação" e "'prestar' possui o conteúdo semântico (...) de
'...propiciar (algo) a (quem precisa) (...) realizar (algo) para (alguém)'...ou
ainda, servir".
Portanto, para fins tributários,
a pedra basilar da prestação de serviços é a satisfação daquele que contratou a
execução de tais serviços, sendo que, no momento em que o tomador se vê
satisfeito, pode¬-se dizer que ele verificou o resultado do esforço do
prestador.
Com base nessa linha de
raciocínio, a própria municipalidade de São Paulo já se manifestara, por meio
da Solução de Consulta SF/DEJUG nº 12, de 07 de maio de 2014, emitida pela
Secretaria de Finanças do município de São Paulo, no sentido de que "para
que haja a exportação de determinado serviço é necessário que todo o resultado,
o benefício ou o aproveitamento da prestação deste serviço ocorra em território
estrangeiro".
Contudo, caso a drástica mudança
de entendimento do Fisco municipal paulistano seja seguida pelos demais
municípios, a equalização de "resultado" ao local de realização da
atividade, na prática, esvaziaria a efetiva configuração de exportações de
serviços prevista na Lei Complementar nº 116/2003, pois (i) ou a atividade será
realizada no Brasil e, portanto, submetida ao ISS, (ii) ou será realizada em
território estrangeiro, havendo tão somente a prestação de serviços fora do
território nacional.
Ocorre que a regulamentação ou
interpretação jamais pode extrapolar o conteúdo da lei
regulamentada/interpretada a ponto de criar nova obrigação aos jurisdicionados.
Em suma, a regulamentação deve apenas detalhar a lei de forma tal que
possibilite sua aplicação no mundo concreto, sem jamais afastar o conteúdo
legal de sua aplicação no mundo fenomênico.
Neste contexto, não se pode
admitir que a voracidade arrecadatória, cujo campo de visão se limita ao
aumento de receitas de forma imediata, sem considerar as consequências
econômicas e tampouco as ilegalidades perpetradas, possa esvaziar e extrapolar
o conteúdo da Lei Complementar nº 116/2003 no que concerne à exportação de
serviços.
Desse modo, o conceito trazido
pelo Parecer Normativo 02/2016 é flagrantemente ilegal, seja por extrapolar a
Lei Complementar 116/2003, seja porque traz grande instabilidade e insegurança
jurídica às relações entre o Fisco e os contribuintes, seja porque, caso
adotado pelos demais Fiscos Municipais, impedirá cada vez mais o
desenvolvimento brasileiro no âmbito internacional.
A esse respeito, de acordo com o
Panorama do Comércio Internacional, publicado pelo Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, com dados de 2014, a balança
comercial de serviços brasileira ficou negativa em R$47,23 bilhões. Ademais, os
países do Mercosul têm participação ínfima na exportação de serviços, no
percentual de apenas 1,2%, enquanto a União Europeia detém 44,3% do mercado internacional.
Ou seja, eventual tentativa de
tributar e burocratizar as exportações de serviços, em um cenário de crise
econômica, além de ser um desserviço à recuperação das já combalidas empresas
brasileiras, apenas impede a decolagem do Brasil na arena internacional.
Fonte: Valor Econômico
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